quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Cetim e Linho.

Alguns dias eu mesma entrava em nosso quarto, e o achava imaculadamente arrumado.As roupas de cama esticadas, quase engomadas (lembranças de quando eu morava em um lar rígido), a minha grande penteadeira com os pós, perfumes, jóias, tudo enfileirado, fechado, contido. As louças na pequena pia secavam, limpas, quase sem água a escorrer.Nenhuma lingerie pingando da borda da banheira, nenhuma camisola escapando da gaveta, querendo fugir para ambientes mais castos. Eu mesma era o retrato da ordem, os cabelos alinhados,presos num coque nada costumeiro, esticados.O negligé fechado, amarrado com sua sutil e eficaz faixa. Então, eu ia até a janela.
Eu sentia a chegada dele, vinha até minhas narinas como algo prosaico e simples, como um chamado da natureza, uma coisa de fêmea. Fechava os olhos por um momento, para apreciar a onda daquela certeza animal me atingindo e me fazendo subitamente ganhar sentido...depois corria.
A primeira coisa a ser alcançada era sempre minha cama, ao lado da grande janela.A ordem dos lençois era jogada ao ar, agredida..Eu desfazia a castidade daquele leito, jogando sobre ele meu corpo para deixar as marcas de pretensos outros corpos, agitava os braços, deslocava travesseiros. Quando me sentia exausta, eu me erguia feliz, e fazia meus potes e jóias deslizarem pelo mármore branco, caindo no chão, alguns, outros levantando um pó branco e perfumado que me lembrava noites de jazz.
Deixava a minha camisola mais insinuante pretendendo suicídio, calcinhas, e uma, uma meia fina apenas, pendendo como uma serpente até o chão. Era o meu jardim do Éden já corrompido. Fazia poças de recém uso no banheiro, atirava toalhas, sujava copos limpos com meu batom vermelho, cinzeiros com cinzas feitas às pressas. E então, quando todo o quarto pudesse me refletir, eu me concentrava em minha imagem no espelho.
Retocava meu pó, pq não queria que me visse suada de esforço, mas nunca demais, porque devia imaginar o que eu estaria fazendo para que minhas bochechas ficassem rosadas e a respiração acelerada. Soltava meus cabelos, em ondas, mas os ordenava de maneira que parecessem sempre cuidadosamente desalinhados. Caminhava até o centro do quarto, abria meu negligé, derrubava uma alça da minha camisola para esperá-lo ali, um cigarro aceso soltando fumaça entre os dedos.
Ele nunca me encontrava limpa, e ele me amava.

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